Semana passada ouvi de um grande amigo uma grande verdade:
“Chega uma hora na vida que você tem que abrir mão do selvagem dentro
de você para manter amigos, empregos e constituir família. Ou você pode
escolher ser um louco e viver sozinho.”
No meu último emprego, quando pedi demissão, ouvi do meu chefe, também
um grande homem em raras ocasiões: “Toda essa sua mania de ser louquinha
e falar o que pensa, só vai te garantir um emprego fixo: banda de
rock.”
Acho que todos têm razão. E venho tentando, com orações dadas pela minha
mãe desesperada com meu jeitinho nada meigo, yoga, terapia, sexo,
pilates, mantras e muita conversa com amigos em geral, ser uma pessoa
mais equilibrada.
Uma amiga me disse: “Quem briga por tudo e quer medir poder com todo
mundo, na verdade está tentando provar que não é um bosta, tá brigando
consigo mesmo”.
Pura verdade, quando minha auto-estima está em suas piores fases, é aí
que a coisa pega: fico com mania de perseguição, acho que tá todo mundo
querendo foder comigo, que existe um complô universal contra a minha
frágil pessoa. Meu ataque nada mais é do que a defesa amedrontada de uma
menina boba.
Mas a verdade é que eu odeio o equilíbrio. Porra, se eu tô puta, eu tô
puta! Se eu tô com ciúme, não vou sorrir amarelo e mostrar controle
porque preciso parecer forte e bem resolvida. Se o filho da puta que
senta do meu lado é um filho da puta, eu não vou fazer política da boa
vizinhança, eu vou mais é berrar e libertar essa verdade de dentro do
meu fígado: você é um grandessíssimo filho de uma puta! Se a vaca da
catraca do teatro me tratou mal, eu vou mais é falar mesmo que ela é uma
horrorosa que não vê pica há anos, ou melhor, que a última pica que viu
foi do padrasto que a estuprou!
O sangue ferve aqui dentro, e eu não tô a fim de transformá-lo num falso
líquido rosa que um dia vai me dar um câncer. Eu não tô a fim de contar
até 100, eu quero espancar a porta do elevador se ele demorar mais dois
segundos, quero morder o puto do meu namorado que apenas sorri seguro
enquanto eu me desfaço em desesperos porque amar dói pra caralho, quero
colocar TODAS as pessoas do meu trabalho que falam “Fala, floRRRR!” ou
“Precisamos disso ASAP” numa câmera de gás peristáltico.
Eu sou antipática mesmo, o mundo tá cheio de gente brega e limitada e é
um direito meu não querer olhar na cara delas, não tô fazendo mal a
ninguém, só tô fazendo bem a mim. Minha terapeuta fala que eu preciso
descobrir as outras Tatis: a Tati amiga, a Tati simpática, a Tati meiga,
a Tati que respira, a Tati que pensa, a Tati que não caga em tudo
porque deixou a imbecil da Tati de cinco anos tomar as rédeas da
situação.
Ela tem razão, mas é tão difícil ver todos vocês acordando de manhã sem
nada na alma, é tão difícil ver todos os casais que só sobrevivem na
cola de outros casais que só sobrevivem na cola de outros casais, é
praticamente impossível aceitar que as contas do final do mês valham a
minha bunda sentada mais de 8 horas por dia pensando o quanto eu odeio
essa gente que se acha “super” mas não passa de vendedor de sabonete
ambulante.
É tão difícil ser mocinha maquiada em vestido novo e sapato bico fino
quando tudo o que eu queria era rasgar todos os enfeites e cagar de
quatro no meio da pista enquanto as tias chifrudas bebem para esquecer
as dúvidas ao som de “Love is in the air”.
Parem de sorrir automaticamente para tudo, humanos filhos da puta,
admitam que vocês não fazem a menor idéia do que fazem aqui. Admitam a
dor de estar feio, e admitam que estar bonito não adianta porra nenhuma.
Eu já me senti um lixo de pijama com remela nos olhos, mas nunca foi um
lixo maior do que me senti gastando meu dinheiro numa bosta de salão de
beleza enquanto crianças são jogadas em latas de lixo porque a total
miséria transforma qualquer filho de Deus em algo abaixo do animal.
Mas eu não faço nada, eu continuo querendo usar uma merda de roupinha da
moda numa merda de festinha da moda no meio de um monte de merdas que
se parecem comigo. Eu quero feder tanto quanto eles para ser bem aceita
porque, quando você faz parte de um grupo, a dor se equilibra porque se
nivela.
E eu continua perdida, sozinha, achando tudo falso e banal. Acordando com ressaca de vida medíocre todos os dias da minha vida.
Grande merda de vida, você muda a estação do rádio para não reparar que a
menina de dez anos parada ao lado do seu carro, já tem malícia, mas não
tem sapatos. Você dá mais um gole no frisante para não reparar que a
moça da mesa ao lado gostou do seu namorado, e ele, como qualquer
imperfeito ser humano normal, gostou dela ter gostado.
Você disfarça, a vida toda você disfarça. Para não parecer fraco, para
não parecer louco, para não aparecer demais e poder ser alvo de crítica,
para ter com quem comer pizza no domingo, para ter com quem trepar na
sexta à noite, para ter quem te pague a roupa nova e te faça sentir um
bosta e para quem te pede socorro, você disfarça cegueira.
Você passa a vida cego para poder viver. Porque enxergar tudo de verdade
dói demais e enlouquece, e louco acaba sozinho. Vão querer te
encarcerar numa sala escura e vazia, ninguém quer ter um conhecido
maluco que lembra você o tempo todo da angústia da verdade e de ter
nascido. Você passa a vida cego, mentindo, fingindo, teatralizando o
personagem que sempre vence, que sempre controla, que sempre se
resguarda e nunca abre a portinha da alma para o mundo. Só que a sua
portinha um dia vira pó, e você morre sem nunca ter vivido, e você deixa
de existir sem nunca ter sido notado. Você é mais uma cara produzida na
foto de mais uma festa produzida, é um coadjuvante feliz dessa
palhaçada de teatro que é a vida.
Você aceitou tudo, você trocou as incertezas da sua alma pelas
incertezas da moça da novela, porque ver os problemas em outros seres
irreais é muito mais fácil e leve, além do que, novela dá sono e você
não morre de insônia antes de dormir (porque antes de dormir é a hora
perfeita para sentir o soco no estômago).
Você aceita a vida, porque é o que a gente acaba fazendo para não se
matar ou não matar todos os imbecis que escutam você reclamar horas sem
fim das incertezas do mundo e respondem sem maiores profundidades:
relaaaaaaaaaaaaaxa!
Eu não vou fumar, eu não vou cheirar, eu não vou beber, eu não vou
engolir, eu não vou fugir de querer me encontrar, de saber que merda é
essa que me entristece tanto, de achar um sentido para eu não ser parte
desse rebanho podre que se auto-protege e não sabe nem ao certo do quê.
Eu não vou relaxaaaaaaaaaaaaaaaaaar.
A única verdade que me cala um pouco e, vez ou outra, me transforma em
alguém estupidamente normal é que virar um louco selvagem que fala o que
pensa, sem amigos e sem namorados, só é legal se você tiver alguém pra
contar o quanto você é foda no final do dia.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
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